Muito interessante o artigo de Fernando Zilveti, mestre em Direito Constitucional, sobre a questão dos royalties, o qual transcrevo em sua íntegra abaixo.
A Câmara analisa o Projeto de Lei 2.565/11, do Senado, que
redistribui os royalties do petróleo para beneficiar estados e
municípios não produtores. A nova lógica de distribuição alcança tanto
as áreas da camada pré-sal quanto as do pós-sal, que já foram licitadas.
O direito de receber os chamados royalties do petróleo tem gerado
polêmica entre os Estados brasileiros. Existem debates entre aqueles que
se julgam detentores incondicionais desses direitos e aqueles que
pretendem uma modificação na atual legislação, para ter acesso às
receitas provenientes da exploração do petróleo e gás natural.
No plano constitucional e infraconstitucional parece plenamente
possível compreender e direcionar a polêmica questão do que a
Constituição pretendeu regular sobre os chamados recursos naturais.
Governos centrais são muitas vezes utilizados como exemplo de
distribuição e aplicação dos recursos provindos dos royalties. Em que
pese serem bons exemplos de austeridade fiscal, o fato de ser um modelo
adequado ao tipo de jurisdição de governo central, torna de pouca
utilidade a comparação.
O Brasil é uma federação e como tal tem uma constituição projetada
para atribuir competências entre seus entes federados e dividir receitas
segundo uma lógica cooperativa. Todos os entes federados devem
contribuir para as receitas e a gestão pública com austeridade fiscal.
Adote-se esta abordagem constitucional e, a partir dela se façam as
demais ponderações sobre o tema.
Os royalties, é bem verdade, são utilizados como instrumento de
captura de renda extraordinária, fruto da exploração de recursos
minerais. Mais recentemente, esses direitos foram distorcidamente
justificados como compensação por potenciais riscos ambientais da
exploração do petróleo. Ora, quanto maior for o controle central sobre o
meio ambiente, como é o caso brasileiro, menor a necessidade dos
royalties para tal finalidade. Por outro lado, o dano ao meio ambiente
afeta a todos os cidadãos, garantindo-lhes, inclusive, um direito difuso
de reparação. O Estado é apenas um dos credores do passivo ambiental.
Outro aspecto polêmico e um tanto inadequado ao modelo brasileiro
seria a vinculação orçamentária dos recursos advindos do pagamento de
royalties. Em função da exploração dos recursos minerais concentrar em
determinada jurisdição maiores gastos com infraestrutura social, seria
justificável destinar maior parte de receitas para custear esses gastos.
O problema, porém, reside na vinculação orçamentária, modelo
ultrapassado e alheio às boas práticas de gestão pública e transparência
fiscal.
Propôs-se que as receitas de royalties fossem objeto da criação de
fundos soberanos a serem utilizados para o custeio de programas sociais
de diminuição das desigualdades e erradicação da miséria. A causa parece
justa.
Por outro lado, num país como o Brasil, que ainda mantém
desigualdades e miséria em grande parte da federação, não se justifica a
criação de fundos especulativos, de pouca transparência fiscal e
destinação divorciada de qualquer política pública governamental na área
social. As experiências na Venezuela e Indonésia demonstram o risco
dessa medida para a gestão de importantes recursos financeiros. A
questão dos royalties, afinal, deve ser tratada no campo constitucional
da soberania.
O poder soberano está intimamente relacionado com a arrecadação. Não
há soberania sem poder. O poder enquanto palavra tem diversos
significados.
No Direito Constitucional há uma preocupação quanto ao poder e seus
limites jurisdicionais. O poder do Estado sob o qual as pessoas estão
subordinadas não é senão a validade e eficácia da ordem legal. Essa
ordem legal pressupõe uma unidade derivada de um território e um povo.
No caso brasileiro, essa ordem legal está organizada na forma
federativa. A Federação determina o poder soberano na jurisdição
brasileira.
A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 20, inciso IX, que
os recursos minerais, inclusive os do subsolo, pertencem à União. Por
outro lado, justamente no plano federativo, o primeiro parágrafo desse
mesmo artigo da Constituição, determina que a lei estabeleça a divisão
da receita proveniente da exploração dos recursos minerais do petróleo e
gás natural entre estados, Distrito Federal, municípios e órgãos da
administração direta da União.
Em que pese o constituinte originário tenha delegado ao legislador
ordinário a competência de estabelecer a participação no resultado da
exploração do petróleo e gás natural, a delegação é condicionada. O
legislador está restrito à legislar a divisão dos resultados segundo a
lógica constitucional federativa. Essa lógica está estruturada na
divisão de competências entre os entes federados. A divisão de
competências se dá na proporção dos recursos financeiros distribuídos
equitativamente entre os entes federados.
Às receitas fiscais originárias seriam somadas receitas divididas
levando-se em conta a competência federal de cada ente federado. A
divisão de royalties do petróleo deveria seguir uma lógica semelhante.
Considerados os royalties patrimônio da União e obrigada esta a
distribuir tais recursos com os estados e municípios, além dela mesma, a
lei a ser criada deve observar a lógica federativa. Assim, os recursos
seriam distribuídos segundo as atribuições constitucionais de
competência para gastos públicos.
Extraído do site:
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