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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Coordenadora do Grupo de Combate ao Lixo de Belém, da entrevista ao jornal O Liberal

O LIBERAL - REVISTA TROPPO, 17 de outubro de 2010

Solidariedade para deixar Belém mais limpa

Entrevista
Cansada de ver o descaso com a monumental sujeira espalhada pelas ruas de Belém, a promotora de Justiça Agrária, Ana Maria Magalhães de Carvalho, mestre em Direitos Humanos pela UFPA e professora de Direito Ambiental, colocou em prática em julho deste ano o Grupo de Combate ao Lixo de Belém, que hoje conta com quase cem participantes. Confira o que a promotora falou sobre sua experiência como coordenadora do GCLB:

Troppo - Como o GCLB atua na prática?
Dra. Ana Maria – Não recolhemos lixo. Quando fazemos ações na Praça da República (sempre a mais suja) convidamos as cooperativas de catadores para fazer a catação e os acompanhamos fazendo a educação ambiental, mostrando para as pessoas as graves consequências do lixo para nossa cidade. Orientamos a população e fazemos palestras em escolas e condomínios. Temos vários subgrupos, cada um com uma incumbência.
Troppo – Por que há tanto lixo em Belém?
Dra. Ana Maria – Descobrimos que há diversos fatores: a coleta não funciona bem, isto é, o carro de lixo não passa por todas as ruas e a prefeitura não apresenta para a população a informação dos dias e trajetos que os carros de lixo fazem e nem disponibiliza a informação de endereços de ONGs que recebem o lixo que pode ser reciclado; o aterro sanitário do Aurá está descontrolado, inclusive, com violência, e o espaço não suporta mais receber os resíduos sólidos.
Troppo – Por que a população fica inerte diante desse quadro?
Dra. Ana Maria - As pessoas se acostumaram a viver em uma cidade submersa em lixo. Ninguém vê o lixo ou, se vê, encara com normalidade, o que não é. Por isso, ninguém se importa com quem joga lixo nas ruas e isso incentiva a insustentabilidade do meio ambiente urbano. Aqueles que lutam contra o lixo ou reclamam contra quem suja as ruas são vistos como gente chata, que se ocupa com coisa sem importância. E o poder público - municipal e estadual - não promove a educação ambiental nas escolas e nem para a população conforme preconiza a Constituição Federal/88. Por conta dessa incompreensão acerca do problema para a sociedade, o lixo não entra na pauta de discussão política. E nossa cidade vai ficando cada vez mais imersa em lixo.
Troppo – Então, é bom relembrar os problemas causados pelo lixo:
Dra. Ana Maria - O lixo é um grave problema a ser enfrentado para garantir a qualidade de vida e a própria sobrevivência humana. As pessoas não percebem que o consumo desenfreado determinado pelo progresso tem como conseqüência uma enorme quantidade de dejetos que irresponsavelmente largamos sobre a biosfera, causando uma poluição capaz de nos levar à própria extinção. Na Amazônia, esse fenômeno alcançou proporção ainda maior em decorrência da proliferação de lixões a céu aberto - a maior parte situada dentro de zonas urbanas populosas – que geram uma substância líquida resultante do processo de putrefação de matérias orgânicas – o chorume - que, ao penetrar na terra, contamina lençóis freáticos, rio e córregos, comprometendo tanto a água que bebemos quanto os alimentos irrigados a partir desses cursos d’água.
Troppo – O serviço de limpeza pública não tem amenizado o problema?
Dra. Ana Maria - A limpeza feita pelos garis é inadequada. Pode-se dizer que é só para “fazer de conta”. Outro dia mesmo, de manhã, na Praça da República, vi um gari varrendo o lixo para dentro do bueiro. Eles varrem o que não precisa (as folhas) e deixam todo o lixo que deveria ser catado. Vá à Praça da República ou à Praça Dom Pedro I ou em qualquer outro lugar depois da varrição que você verificará que pouco ou quase nada ficou limpo. A própria Praça Batista Campos, sempre a mais cuidada, está ficando suja. Outro dia eu vi que as águas dos monumentos estão repletas de lixo, em especial de campanha política e de publicidade de empresas que ainda se dizem comprometidas com o meio ambiente.
Troppo – Onde o GCLB atua com mais periodicidade?
Dra. Ana Maria - Nós nos dividimos em vários subgrupos. Um deles é responsável por fazer palestras em condomínios sobre separação do lixo e entrega a cooperativas existentes. Outro grupo está se debruçando sobre o contrato de coleta que a prefeitura mantém com empresas a fim de verificar o cumprimento. Outro grupo levantou todos os órgãos responsáveis pela administração da limpeza pública na cidade. Sabia que, dependendo do local, o órgão responsável pela limpeza pode ser a Semma, a Semad etc? Uma salada! Levantamos a situação do Aurá e descobrimos que a balança não está funcionando. Ou seja, a prefeitura está pagando por toneladas de lixo recolhido sem saber, ao certo, quanto pesou. Outro grupo organiza nossas ações de divulgação na mídia. Cada vez que sai na imprensa, ganhamos inúmeros novos membros, sem falar que as pessoas passam a falar do problema do lixo a partir de uma ótica ambientalista, consciente, responsável.
Troppo – Qual foi o pior quadro que a senhora viu nesse trabalho voluntário?
Dra. Ana Maria - O que mais me causa tristeza é a Rua João Alfredo, que no passado era tão charmosa e agora é um lixão a céu aberto o tempo todo.
Troppo – Como a população tem se comportado diante do trabalho de vocês?
Dra. Ana Maria - Todos compreendem e dizem que vão aderir. Ninguém diz que não é necessário cuidar da cidade. Mas muitos não acreditam que é possível modificar e acham que somente a prefeitura é que tem responsabilidade.
Troppo – Quais são as metas do GCLB daqui pra frente?
Dra. Ana Maria - Vamos fazer uma campanha em outdoors de conscientização e pedir que as pessoas não atirem lixo no meio fio porque vai direto para o bueiro. Estamos organizando também um seminário em que vamos discutir todos os problemas do lixo na nossa cidade, inclusive, ouvir os catadores. Será nos dias 25 e 26 de novembro, no auditório do MPF.

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